[ Programa ] #155

Alô alô tropicaleiros e tropicaleiras!!

Apertem os cintos, peguem seus EPIs de segurança e já aumenta o som: preparades?



Nesta edição conferimos mais um set feito pela Grazi Flores, desta vez gravado para a Cultura Cosmo e transmitido pelo canal do projeto. A convite de Jamila Martins aka Hera Pure, Grazi desenvolve uma techneira cósmica: aumenta o som!


>> vibe

Estava sempre de fones de ouvido, ouvindo os sets que recebia pro programa, ou músicas que eu tinha garimpado. Ou uma rádio, de vez em nunca. Estava sempre assim, com volume alto, andando sempre no ritmo da música que escutava enquanto ziguezagueava as pessoas a minha frente que estavam sempre andando mais devagar do que o que eu gostaria para chegar no meu destino. E eu sempre estava atrasada. E eu pensava no que eu tinha que fazer e que eu poderia estar fazendo no momento em que me deslocava da minha casa para o trabalho e vice-versa. Nunca conseguia dar conta de tudo, como um aglomerado de coisas que acontecem num período de tempo cronometrado que vai descontando de uma barrinha geral o tempo que sobrando pra fazer tudo o que faltava ser feito. Tudo o que importava, cada passo eu desse, era que fosse compassado com a música, enquanto os pensamentos, compassados com os passos e a música, tinham que listar tudo o que faltava e tinha que ser feito (e que eu não estava fazendo) detalhado em cada etapa do processo prático da coisa, quase como se a estivesse fazendo.

Mas que tolice: fazendo um esforço mental duplo sobre uma mesma tarefa. Mas que paradoxo murcho: viver a falta de passado, o excesso de futuro e nenhum presente. E naqueles dias, não pensava em parar. Mesmo assim, parei. Fui forçada a manter em funcionamento apenas o básico do que precisava existir. E eu não existia no pacote básico da existência: nem na minha lista de prioridades e nem na do governo. Passei a andar em círculos, dentro de um mesmo móvel. Passei a andar em círculos, ressignificando cada círculo de cada móvel. Passei a girar mais rápido, sem perceber, por estar no mesmo espaço físico. Entrei no fluxo de vida em um outro plano de existência que tem sua própria velocidade e suas próprias demandas e sua própria rotina. Não penso em parar, não pretendo parar. Mas desta vez, pelo menos desta vez, eu sei que terei que parar novamente. É outro tipo de parar: é o de voltar a andar. E suponho contextos de uma realidade em que sou quem sou, faço o que faço, existo como tenho existido atualmente, só que desta vez andando: será que com os fones de ouvido? Será que pensando em todas as coisas que faltam? Será que compassada com pensamentos e música? Será que sempre atrasada? Estou atrasada?

Não penso em parar. E será inevitável. Devo achar tempo para parar. Devo achar tempo para me adaptar. Devo me re-adaptar, de novo. De novo. E como outras pessoas estarão andando de novo?

Saio do metrô, no meio da Paulista. Vou entrar numa nova cafeteria que está onde ficava a lanchonete que havia servido lanches e sucos por décadas no mesmo exato lugar. Talvez ainda exista o resquício do cheiro das últimas fritas que foram devoradas no que costumava ser o balcão. Balcão este que agora peço um café expresso, mesmo querendo experimentar o cappuccino. Pego o celular e busco pelos filmes que seriam exibidos nas próximas horas. Talvez passe em alguma livraria ou sebo que ainda exista pra dar uma atualizada no que tá rolando (ou encontrarei as mesmas coisas de sempre?). Depois passo ali na bilheteria do SESI e pego um ingresso para assistir uma performance artística.

Caminho entre as pessoas num ritmo perdido do que já existia e vivia, mas que me encherá de estranheza por não pertencer ou não querer pertencer àquele instante em que não estarei sentada onde estou, escrevendo estas palavras. E talvez, no final das contas, esse seja o problema que sinto no presente sobre o que viverei no futuro: o fato de que lá, não estarei fazendo o que aqui me acostumei a fazer e ser. Lá, estarei em outro lugar, com outras demandas, com outros projetos. Mas sinto que as demandas e projetos que tenho hoje não foram suficientemente satisfeitos. Ainda não fiz tudo o que quero e posso fazer. Ainda não aproveitei tudo o que podia das possibilidades do que existe hoje.

É como se fosse a carta de alguém que está beirando, encostando, perambulando, circundando, cheirando, assoprando, equilibrando-se para adentrar o desconhecido. Não sabemos, porque não vivemos. Assim como não sabíamos viver o que hoje vivemos. São dores, são prazeres, são angústias, são fadigas, são limites que não imaginávamos antes. São perspectivas e sabores viscerais que não vivemos ainda. E talvez, apenas talvez, o amanhã já traga uma nova surpresa sobre o futuro de seu próprio presente. Mas provavelmente, apenas o presente já baste suficientemente. Tem que bastar. E é o que bastará. E é o que restará.




Acompanhem as novidades da Grazi Flores pelas redes sociais:

Instagram

Facebook

SoundCloud

Mixcloud


Lacuna Tropical 

laboratório de experiências de música eletrônica e discotecagem em toda a sua amplitude e pluralidade

Comentários

Postagens mais visitadas