[ Programa ] #159

Alô alô tropicaleiros e tropicaleiras!!

Apertem os cintos, peguem seus EPIs de segurança e já aumenta o som: preparades?



 

Nesta edição conferimos mais um set feito pela Grazi Flores, desta vez transmitido via Twitch e participando da edição do dia 11 de junho da Radio Noise!! A convite do querido Anderson Noise, fiz um set trabalhado no Techno, tocando ao lado dos mestres Murphy e o próprio Anderson Noise!


>> vibe

Ao fundo, novamente, escuto um som. Todo dia escuto aquele mesmo som que mecanicamente apita no mesmo horário. Mas cada dia que passa, o ouço esvaindo-se em si mesmo, presto menos atenção e sou menos afetada por ele. Uma pena: ele servia para me despertar. E sigo ignorando-o, virando pro outro lado, num movimento pesado e vagaroso que me permite ter pequenos segundos de prazer por estar fazendo exatamente aquilo que meu corpo tanto deseja. Aquela sensação morna de estar envolta na coberta, abraçando-me e sendo cada vez mais envolvida. Aquela sonolenta sensação de apenas precisar existir para ser feliz. E voltar a dormir, profundamente, por entre horas que estavam programadas para serem trabalhadas.

Acordo algumas horas depois, desnorteada, sentindo o sabor da ressaca moral invadindo minha mente: horas atrasada no relógio do mundo, horas nas quais deixei de estar presente no mesmo momento em que as coisas acontecem e o dia seguinte é desenhado. Dormi, e acordei tarde. Estava tarde para fazer qualquer mudança, estava cedo para desistir do dia.

Olho as cores ao meu redor e sou invadida pelo excesso de informações, pelo acúmulo de culpas, pelo cansaço que segue se acumulando em meu corpo. E olho no espelho: confiro minhas medidas, confiro minhas aparências. Não participo do que se espera e quando participo, compulsivamente marco as esquinas e esconderijos que guardo em meu rosto.

Anos de prática de uma rotina que altera-se, apenas agravando sua intensidade e alternando sua ordem. Em algum momento fico congelada pelas coisas que tenho que fazer e que não faço, porque meu corpo parece estar parando antes de minha mente. E minha mente vai se conformando com um corpo ineficiente à sua potência enquanto torna a si mesma preguiçosa e vagarosa.

Não sei definir o que está realmente acontecendo, mas sei o que não está acontecendo e o quanto isso me incomoda. Minhas compulsões talvez se transformem em efeito colateral não anunciado de minhas negações, talvez sejam um aviso, talvez sejam um lembrete, mas de todo modo deixam marcas que vão martelando minha mente em meio ao beco obscuro de coisas que ecoam entre axiomas viciados.

Em dado momento, sigo perambulando entre os cômodos pra cumprir com promessas que fiz pra mim e, suponho em algum momento em uma sinergia simbiótica, para o mundo. Promessas que são como jogos de aposta: vamos ver até onde ela consegue ir sem cair o rendimento, mesmo que isso faça com me funda ao meu trabalho, sem saber onde começo e onde termino para além da métrica do que produzo, consumo, rejo e sou regida. Uma empresária de si mesma. Uma sombra de si mesma. Onde estou? Quem sou? Como vim parar aqui?

Mas confesse: você sozinha, enquanto sua pura existência, não tem graça alguma, não serve para nada. O trabalho edifica o homem. O homem edifica o trabalho. O homem, em seu trabalho, edifica. E fica, entre frestas de sol e frustração, entre construções que enterram em si o homem. O homem. E de sua costela, surgiu a bruxa que deu a possibilidade da consciência de sua condição. Uma transgressão, que conferiu à você uma condição de ser, em des-graça. Amém.

Então fecho a janela, abro o computador, ligo a luz e ascendo um cigarro. Controlo a luz, subo uma live, desço pro convés do undergound musical do Twitch e carrego uma música no deck. Começo a tirar músicas, começo a desnudar os sons que normalmente orbitam em minha mente, começo a decompor as possibilidades do que tenho em minhas mãos. E carrego, em minhas mãos, os sons que seus ouvidos reverberam. E carrego em meu corpo a frequência do som. E o som carrega a desconstrução das importâncias que meu corpo acostumou-se a vestir. Entendendo como posso apresentar minha existência única e exclusivamente em solo sonoro, caminho sozinha num mundo onde o chão vibra o eco das caixas de som e fantasmas de corpos ritmados dançam o ritual do som que vou conduzindo enquanto eu mesma atuo nesse movimento constante e introspectivo que coletivamente presenciamos. Imergindo e vivendo, em primeira pessoa, a decupagem de minha existência física no mundo transmutando minha forma de ser de moléculas para ondas, de átomos para sons, de mim para você. 

Então, pelo meu trabalho edifico quem sou. O trabalho edifica-a. Ela edifica seu trabalho, enquanto ele edifica-a. Sujeito oculto. Em plurais, onde um dos sujeitos é homem, alternamos as demais palavras para que orbitem a edificação do trabalho. E ele, agora, é protagonizado, enfim, por ela.


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Lacuna Tropical 

laboratório de experiências de música eletrônica e discotecagem em toda a sua amplitude e pluralidade

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