[ Disc-o-mundi ] Volume 3 - Amen Break

Por Anthony Garcia

DJ, Produtor, Sonoplasta, Sound Designer



 

Eu ouvi um Amém ? 

Nessa edição do disc-o-mundi falaremos do loop de bateria mais sampleado da história, o Amen Break. 

Não resta dúvida que o artista mais sampleado de todos os tempos é James Brown, são dezenas de músicas como “Funk Drummer”, “Give it Up or Turn it A Loose”, “Funky President”, sem falar de suas produções como “Think” da Lyn Collins e “Hot Pants” com Bobby Byrd. 

Porém foi a música “Amen Brother” (1969) da banda The Winstons que conseguiu a façanha de ser sampleada mais de 5.000 vezes segundo o site Who Sampled.

 

Voltando um pouco mais no tempo o primeiro registro que encontrei desse tema foi uma gravação gospel de 1949 do Coral Wings Over Jordan intitulada, “Amen, Amen, Amen”, esse mesmo refrão foi usada no filme de Sidney Poitier, Lilies of The Filed (Uma Voz nas Sombras) de 1963, porém foi a versão da banda The Impressions de 1964 que se tornou mais popular inspirando anos depois o cover do The Winstons. 

O lider da banda Richard Spencer disse que eles precisavam de uma música para o lado B do single “Color Him Father”, e decidiram gravar uma versão instrumental, vagamente baseada na velha canção gospel. 

Os primeiros elementos vieram de um riff de guitarra que o lendário músico Curtis Mayfield tocou para o Spencer, mas eles não tinham música suficiente para uma faixa inteira, então ele decidiu aumentá-la adicionando um solo de bateria. 

"A banda realmente não queria ensaiar a música. Não estávamos lá para fazer 'original', éramos uma banda de bar. Os caras estavam um pouco irritados, eles queriam um tempo de lazer, então eu estava meio que apressado" disse Spencer. 

No meio da faixa, os outros instrumentos silenciam enquanto o baterista GC Coleman bate sozinho por quatro compassos. “Em cerca de 20 minutos, tínhamos a música pronta”, disse ele. 

Exatamente quem criou o intervalo de bateria não está claro. Spencer diz que dirigiu, enquanto Phil Tolotta, o único outro membro sobrevivente da banda, discorda - ele diz que o solo foi "puro GC".



Quase 20 anos se passaram e com o nascimento do hip hop, breaks antigos viraram armas secretas dos DJs que exploravam discos obscuros atrás de pérolas dançantes para os seus sets. 

Foi no ano de 1986 em NY, que um motorista de limousine e colecionador de discos chamado Lenny Roberts em parceria com o DJ Lou Flores, criou a lendária coletânea de discos chamada “Ultimate Breaks & Beats”, que continham as principais músicas usadas nas festas de hip hop com ênfase em seus famosos breaks, eram “Bootlegs”, discos não autorizado na época, vendidos “por debaixo do balcão” em três ou quatro lojas no centro de NY. Bom, não precisa nem dizer que essa coletânea virou febre entre DJs e produtores de hip hop, e foi logo no volume 1, lado A, faixa 3 que estaria o loop mais sampleado de todos os tempos. 

Ainda no mesmo ano de 86 a banda Salt-N-Pepa lançava seu álbum de estreia onde a música “I Desire” continha o Amen Break, logo depois em 1988 foi a vez de “King of the Beats” do produtor Mantronix mostrar o verdadeiro poder do Amen Break, tornando-se também uma das canções mais sampleadas na história, rivalizando com a própria "Amen, Brother”.


Ao longo dos anos 90, o Amen Break transcendeu o hip hop, e atravessou o atlântico acertando em cheio a cena rave inglesa, sendo base para hits como “Let Me Be Your Fantasy” de Baby D, sendo sampleada ate por Carl Cox no single “I Want You”, ganhando folego com seu BPM mais acelerado, a produção “We Are I.E.” de Lennie De Ice (1991) trouxe a cara do que conhecemos hoje como Jungle e Drum n Bass. 

Estima-se que quase 70% das produções de Drum n Bass contenham alguma parte do Amen Break; Shy FX, Dilinga, Ray Keith, J Magik, LTJ Buken, DJ Zinc, Chase & Status, e mais umas centenas de produtores provam isso. 

O produtor canadense Venetian Snare por exemplo fez um álbum inteiro só com pedaços do Amen Break, Atari Teenage Riot's e Equinox por sua vez levam o Amen para um lado ainda mais distorcido, enquanto que David Bowie, Oasis e Amy Winehouse trazem o sample para o mainstream.



Mas o que tem de tão especial nesses 6 segundo de solo de bateria ? 

Segundo o matemático Michael Scheneider, a divisão rítmica se semelha ao Número de Ouro ou Proporção Áurea, que segundo os gregos era uma equação que traduzia a perfeição da natureza nas formas. Já para o DJ e produtor inglês Fabio (um dos pioneiros no Drum n Bass), a explicação é mais espiritual, relacionada a energia da palavra Amen, que no Hinduísmo tem o significado de Õm / Aum. 

Geometria e misticismo a parte só quem já usou esse sample sabe como ele é completo, tanto em sua textura “cheia” metálica e até de certa forma robótica, quanto na variação completa de notas, bumbo, caixa, rides e pratos, e por fim a mágica de incrivelmente funcionar em qualquer bpm seja ele 90 ou 180.


Infelizmente existe uma parte triste dessa história, em que os integrantes da banda nunca receberam nenhum centavo sobre o uso desse material, o baterista Gregory G. Coleman faleceu no ano de 2006 nas ruas de Atlanta como indigente e provavelmente não tenha tido nem a noção do impacto que seu solo de bateria causou na história da música mundial. 

Já o líder da banda e detentor dos direitos autorais Richard Spencer embora tenha ficado com raiva em 1996 quando ouviu pela primeira vez que o break de Amen estava sendo sampleado, alguns anos depois ele se sentiu em paz com isso. “Não é a pior coisa que pode acontecer com você. Sou um homem negro na América e o fato de alguém querer usar algo que criei, isso é lisonjeador”, disse ele. 

Em 2015 uma campanha foi montada pelos DJs ingleses Martyn Webster e Steve Theobald, para arrecadar fundos a Spencer, cuja meta inicial era de £ 1.000 porém a grande adesão de fãs e produtores fez o número final chegar a £ 24.000. “Eles não precisavam fazer isso - eu nem mesmo os conhecia. Cinquenta anos depois, alguns garotos brancos que nunca conheci, do outro lado do mundo, disseram: 'Vamos dar um presente para você. ' É provavelmente uma das coisas mais doces que me aconteceram em muito tempo.” Richard Spencer faleceu em dezembro de 2020 aos 78 anos de idade, tanto ele como Gregory C. Coleman não estão mais entre nós, porém os 6 segundos mágicos que eles nos deixaram continuarão vivos para sempre. Amém Brothers !



Acompanhe Anthony Garcia nas redes e fique por dentro de sua agenda:

Instagram  

Twitch 

>> esta coluna é mensal!


Lacuna Tropical 

laboratório de experiências de música eletrônica e discotecagem em toda a sua amplitude e pluralidade

Comentários

Postagens mais visitadas