[ ESPAÇO REGGAE ] São Luis - A Capital Brasileira do Reggae

Por Tarcicio Selektah

Seletor, colecionador, pesquisador - da Jamaica ao Maranhão



A capital do Maranhão ao longo de sua história teve vários epítetos como Upaon Açu, nome dado pelos nativos da ilha; Atenas Brasileira, dado pela burguesia e a intelectualidade; Ilha do Amor, pelos seus encantos e beleza, São Luís de Encantarias, a ilha que tem enfeitiça com seus encantos. Também é chamada de a única capital brasileira que nasceu francesa. Claro, que há controvérsias entre os historiadores. O nosso intuito com esse arrazoado não é entrar nos meandros de sua origem histórico e cultural. 

Nossa paixão é cultura reggae em São Luís, o que nela há de passado, presente e quem sabe um futuro. Paixão essa vivenciado ao longo de quase cinco décadas (falta pouco!) nos guetos da Ilha. Mas, tão pouco temos a pretensão de fazer neste pouco espaço fazer um tratado sobre o atroz encanto de ser regueiro, com suas adversidades, autoestima, camaradagem, linguagem, opressão, discriminação pelas forças do estado e a mídia. Ou seja, um caldeirão, as vezes com molho agridoce e outras vezes com ingredientes pouco agradáveis. 

Hoje, vamos centrar nossa atenção na linguagem criado ao longo dessa história. E o primeiro ponto foi o incômodo que causou aos ouvidos dos intelectuais da pequena burguesia de ver a ilha ser carimbada de Jamaica Brasileira, Capital Brasileira do Reggae e Ilha do Reggae. Apesar de todas as tentativas de negar mais essa característica cultural preta desenvolvida nos guetos, os epítetos vingaram. Artigos nos jornais e falas empedernidas atacavam esse despautério que não era de bom tom para o turismo e a cidade. Onde já se viu a Atenas Brasileira ser rebaixada a Jamaica Brasileira? Jamaica, uma ilha no mar do Caribe, terra de pretos, sem tradição cultural que posso se medir com a única capital brasileira que nasceu francesa. Onde já se viu tal absurdo!?

Mas, para além da falsa polêmica intelectualóide, a cultural musical reggae prosperou e criou um linguajar próprio, único e que se espalhou pelo brasil, e o mundo. Podemos dizer que há o “Maranhão Style” ficamos sabendo que os jamaicanos que aqui vieram para apresentações por estas plagas chamam São Luís de “Likkle Jamaica”. 


O Reggae Roots – se refere indistintamente a música que faz o regueiro dançar, não distinguindo se é ska, rocksteady, dancehall, lovers rockas, roots reggae ou rub a dub. Se a massa regueira disser que é pedra, é reggae roots! 

O Agarradinho – aqui se dança juntinhos, a nossa tradição no dançar é eivada de elementos do bolero, gafieira e do samba. Saber “marcar”, fazer o caqueado com sua parceira o distingue como um regueiro ‘interado’. Ou seja, aquele que sabe das manhas. Nos anos 70, 80 e 90 tínhamos vários grandes dançarinos. Aconteceram concursos de dançarinos que movimentavam a massa regueira. Até maratonas de dança aconteceram.

A Pedra ou Pedra de Responsa – a pedra não se explica, é um sentimento que só o regueiro reconhece e aprova. O DJ pode fazer um set e em meia hora poucos se dirigirem ao salão para dançar, mas eis eu de repente ele saca uma música e essa é a pedra, o salão começa automaticamente a lotar, cada um procurando seu par para “quebrar uma pedra”.

O Magnata – Termo Fauzi Beydoun alcunhou Serralheiro – o Magnata do Reggae. Um dos ícones da cultura das radiolas, possuidor de um arquivo musical poderoso e que tinha uma agenda de festas sempre lotada o ano inteiro. Depois de um desentendimento entre Serralheiro e Fauzi, justamente por não conseguir fechar uma data de festa com a Radiola Voz de Ouro - Canarinho, ele passou a chamar todos os radioleiros de magnata. O magnata, é aquela figura considerada e prestigiada por seus pares. Um regueiro de destaque.

O Regueiro – inicialmente, no final dos anos 70 e início dos 80 quando alguém era chamado de regueiro, era o mesmo chamá-lo de marginal, malandro, bandido, arruaceiro, ou seja, alguém de pouca confiança e perigoso. Passado esse período, hoje é classificado como alguém aficionado pela cultura reggae. O Regueiro ‘encardido’, como se diz por aqui, é aquele que se identifica de todos os modos possíveis com a cultura, seja na dança, no vestir, uso de boina, colares, pulseiras e outros adereços.

A Massa Regueira ou Nação Regueira – refere-se ao coletivo que acolhe as festas e aos grandes eventos do calendário reggae pessoas que gostam do reggae, que frequentam os salões do movimento regueiro. 

A Melô – oriundo da palavra melodia. Usado nos anos 70, 80 e 90 para identificar para lançar uma música de sucesso que podia ser uma homenagem a alguém, localidade, bairro, radiola, DJ ou a uma situação (melô da chuva, melô da cólera). A quase totalidade eram de pessoas dos guetos com poucos anos de escolaridade, sem afinidade com o inglês, então buscavam semelhança nas letras com palavras em português. 

Pedra do fundo do Baú – refere-se a uma música de sucesso que tocou nas radiolas nos anos 70 e 80. 

A Sequência ou Sequência de Responsa – trata-se do set lista do DJ, que nada mais é do que a série de músicas tocados em um encadeamento rítmicos que faz a massa regueira dançar sem parar. DJ que é DJ não quebra a sequência! 

A Roça – é quando a festa na lota o salão e não alcança as expectativas dos promotores do evento, se diz que foi fraca. É roça!!! 

Tá nos Panos ou Só nos Panos – Está bem-vestido para a festa. Era costume nos anos 80 só admitir homens nas festas de calça e camisa social. Tá só nos panos, heim? Vai descer pra onde? 

Tá Batendo ou O som tá redondo – Quando a radiola está tocando bonito, com todas as frequências certinhas. Nisso o regueiro é bom de ouvido e exigente.

Passar o Pano – averiguar como está a situação ou pra ‘sentir’ o clima da festa dentro ou fora do salão. O regueiro dava uma chegada na frente do clube e olhava como é que estava a situação. Se tivesse inflamado’ e povo entrando no clube ele entrava ou ia avisar a sua turma pra descer que o clima da festa está “dizendo’! 

Caber na Pontuação ou Ela(e) é a minha pontuação – Refere-se ao interesse dele ou dela em alguém na festa. Pontuação é como os vendedores de sapato nas lojas em São Luís comumente perguntam pelo números que a pessoa calça. Qual é a sua pontuação? Aí o regueiro diz: Essa pequena aí é a minha pontuação, sio!

Carimbar ou Música carimbada – Os radioleiros colocavam uma vinheta ou um prefixo da sua radiola em uma música exclusiva para que não fosse roubado. Em caso de roubo não poderia ser executada por outra radiola. Uma medida para a música não ‘ir pra rua’ ou ‘pegar vento’, como diziam.

Robozinho, Eletrônica, Bate-lata ou Couro – Refere-se as músicas que os radioleiros adotaram na segunda metade dos anos 90 em detrimento do “reggae roots’. Música de produção caseira local, normalmente produzida em computadores. O que fez uma parcela significativa da massa regueira abandonar as festas promovidas pelas radiolas, e como consequência os clubes começaram a fechar e houve desde então um fortalecimento dos bares de reggae em toda a ilha. 

Como dissemos anteriormente, não pretendemos tratar de todas as nuances desse movimento aqui, mas acreditamos que dá para sentir um pouco o clima do linguajar gestado pelo povo preto, periférico e pobre da Jamaica Brasileira, que se identificou absorveu e transformou uma cultura musical em outro idioma e vinda de outra ilha que sofria dos mesmos desideratos. Usou a música para exprimir seus sentimentos, revoltas, lutas e esperanças em um mundo melhor fora da babilônia.


Um reggae-abraço e até a próxima.



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